"Brasil soberano"? Só se for no discurso.
Quem manda no Brasil? Spoiler: não somos nós, apesar do discurso oficial
POLÍTICA
Erika Castro Ribeiro
7/15/20253 min read


Nos últimos dias, vi muita gente compartilhando o vídeo da nova campanha do governo federal:
“Brasil Soberano: aqui quem manda é a gente.”
O material, lançado em resposta à tarifa de 50% imposta por Donald Trump a produtos brasileiros, tem forte apelo emocional e visual. Mostra brasileiros e brasileiras com orgulho no rosto, imagens do campo, do povo, da bandeira nacional, com frases como:
“O Brasil é dos brasileiros.”
“Ser contra a nossa soberania é ser contra o Brasil.”
“Aqui quem manda é a gente.”
Mas será mesmo?
Como comunicadora, entendo o poder de uma peça bem construída. Como cidadã crítica, preciso fazer uma pergunta incômoda: o que é soberania — e o que exatamente o Brasil controla hoje de forma autônoma?
Soberania não é marketing. É independência real.
Não basta declarar soberania em vídeos institucionais. Um país só pode dizer que é soberano quando controla seus recursos estratégicos, sua produção, suas decisões internas — sem depender da aprovação ou da tecnologia de outras nações.
E nesse aspecto, o Brasil ainda está amarrado a dependências profundas. Vou dar um exemplo que raramente aparece no debate público, mas que deveria estar no centro da discussão: as sementes.
O Brasil planta, mas a semente tem dono
Hoje, mais de 90% da soja e do milho plantados no Brasil vêm de sementes patenteadas por multinacionais como Bayer-Monsanto, Syngenta, Corteva e BASF.
Essas sementes são chamadas de sementes transgênicas protegidas por propriedade intelectual. Elas não podem ser reutilizadas livremente pelos agricultores. Cada safra exige compra e licenciamento novos, com contratos que proíbem o replantio das sementes colhidas.
Ou seja, mesmo que o agricultor colha toneladas, ele não pode guardar sementes para o ano seguinte — como seus antepassados faziam há séculos.
Ele depende comercialmente e juridicamente da empresa detentora da patente.
Exemplo: a Intacta da Monsanto/Bayer
Uma das sementes transgênicas mais usadas no Brasil é a Intacta RR2 PRO, da Bayer (antes Monsanto). Ela foi criada para resistir a herbicidas e a pragas. Funciona? Sim. Mas a um custo:
O agricultor precisa assinar um contrato;
Paga royalties por hectare plantado;
Não pode replantar as sementes;
Se descumprir o contrato, pode ser processado — e há vários casos assim.
O controle não é só técnico. É jurídico, econômico e político.
Estamos falando de multinacionais que dominam não apenas a semente, mas toda a cadeia de produção: do fertilizante ao defensivo, da máquina ao software.
Exportamos alimento, mas importamos autonomia
O agronegócio brasileiro é gigante. Exportamos bilhões em soja, milho, algodão, carne. Mas plantamos com tecnologia estrangeira, adubamos com fertilizante importado, colhemos com máquinas conectadas a GPS americano e vendemos para mercados que impõem cotas, tarifas e padrões definidos lá fora.
Produzimos muito. Mas decidimos pouco.
Se amanhã uma empresa como a Bayer decidir interromper a venda de uma semente — por disputa política, por embargo internacional, ou por estratégia de mercado — milhões de hectares podem ser afetados.
Isso não é soberania. É dependência estratégica disfarçada de sucesso produtivo.
E o GPS? Até o chão em que pisamos é controlado por fora
Para deixar mais claro o tamanho da nossa vulnerabilidade:
o sistema de navegação por satélite que usamos no campo, nas cidades e no transporte — o GPS — é americano.
O GPS é militar. Controlado pelo Departamento de Defesa dos EUA. E o Brasil não possui sistema próprio, nem contrato formal com os sistemas alternativos.
Se o sinal for cortado ou degradado, o país literalmente trava.
Isso já aconteceu em zonas de guerra, como no Oriente Médio e mais recentemente na Ucrânia. Não é teoria da conspiração. É geopolítica prática.
Indústria e tecnologia? Quase tudo vem de fora
Nos últimos 30 anos, a indústria brasileira foi progressivamente desestruturada. Perdemos capacidade de produzir vacinas, medicamentos, máquinas, semicondutores.
Hoje, nossa indústria é — com exceções pontuais — uma montadora de insumos importados.
Na tecnologia, a dependência é ainda mais gritante.
Utilizamos sistemas, servidores, redes e plataformas controladas por empresas estrangeiras. Até os dados do governo circulam em infraestruturas da Amazon, da Microsoft e da Oracle.
Controlam nossos dados. E dados são o novo petróleo.
Ser soberano exige mais que frases de efeito
Quando ouço “Aqui quem manda é a gente”, eu me pergunto: quem é esse “a gente”?
O agricultor que depende da multinacional para plantar?
O militar que navega com um sistema americano?
O servidor público que usa um software gringo para trabalhar?
O presidente que precisa calcular o impacto de cada fala na cotação do dólar?
Soberania não é uma pose. É uma posição de poder real: a de quem pode escolher, decidir, produzir e reagir sem autorização de ninguém.
Aos que lutam por um Brasil livre de verdade
Se você, como eu, se incomoda com discursos vazios e quer um Brasil realmente soberano, precisamos ir além do marketing.
Soberania exige:
Pesquisa e ciência nacionais financiadas com seriedade;
Incentivo à produção de sementes brasileiras livres de patente;
Indústria protegida e fortalecida;
Educação de base crítica e libertadora;
Infraestrutura de dados, satélites e tecnologia 100% nacional.
Soberania não se grita. Se constrói.
E só constrói quem pensa